sexta-feira, 19 de março de 2010

Comemorando

Poderia começar comentando a greve dos professores do estado de S. Paulo, da qual não estou participando por um motivo bem óbvio: estou afastado das minhas aulas. Obviamente se não estivesse, estaria engrossando o caldo do descontentamento. De qualquer forma deixo aqui registrado meu repúdio contra um punhado de atitudes dessa gestão, em especial a política salarial, que praticamente congelou o salário inicial. Repudio também declarações que andaram surgindo, como "é uma greve política". Ora pois, qual não é?
O que vou comentar, na verdade, é uma nota de comemoração que se encontra no site da secretaria de educação. Trata-se de um aluno que representará o estado de sp no quadro soletrando de um programa de televisão global. Não sei se concordo com uma nota desse tipo, talvez por uma questão simples: participar de um programa global não quer dizer muita coisa. Na verdade, talvez até atrapalhe a vida de muita gente que, despreparada para enfrentar a "fama repentina" acaba metendo os pés pelas mãos.
Obviamente que acho que a família do garoto, ele próprio, quem sabe até sua escola devam comemorar bastante, o que não quer dizer idolatrar, que fique bem claro. Mas daí a uma secretaria comemorar, acho estranho, porque me parece que se trata de um conhecimento (soletrar) individual, que talvez nem tenha muito a ver com o sucesso de um modelo de escola. De certa forma é fazer cortesia com chapéu alheio. E nesse caso fazer a cortesia errada.
Acho que um programa desse tipo não ajuda em muita coisa. Soletrar é uma técnica que se adquire, dentre outras coisas (como a memória sequencial, p. ex.) pelo domínio de um campo da escrita, especificamente o ortográfico que, diga-se de passagem, é o menor dos males enfrentados pela escola atual.
Ortografia é convenção, para se escrever de acordo com a ortografia vigente deve-se, de certa forma, decorar o que se convencionou. Nao se trata, portanto, de um conhecimento linguístico. Saber que cicuta se escreve com "c" talvez não demonstre que o aluno saiba escrever e ler adequadamente. Cito casos do tempo da cartilha. Era bem comum os meninos daquela época escreverem todas as palavras corretamente, mas não quer dizer que escrevessem bons textos. Acho que "o boi baba" é uma frase típica desse período. Era, pois, muito comum o texto cartilhesco, uma sequência de frases desconectadas, mas todas corretas, sem nenhum problema ortográfico. Ora, é isso um bom texto?
A secretaria ainda classifica o quadro do programa como um "desafio de língua portuguesa". É mesmo? Não seria um desafio de ortografia?

quinta-feira, 11 de março de 2010

As canções são culpadas?

Frequentemente recebo por e-mail aquelas mensagens que são ou para ser engraçadas ou mesmo para provocar algum tipo de reflexão. Geralmente são anônimas ou atribuídas a algum autor famoso. Numa delas, atribuida a Verissimo, questiona-se a qualidade das músicas populares (leia-se comerciais) brasileiras. De certa forma, a mensagem é bastante engraçada, na medida em que relaciona essas músicas com drogas que viciam. Mas a mensagem que me deixou, no mínimo, encabulado, foi uma recebida no começo da semana. Reproduzindo livremente, nela associa-se o fracasso do Brasil, os traumas que temos, com os temas das canções para crianças oriundas do repertório popular. Nessa mensagem, comentam-se cantigas como boi da cara preta, nana neném, o cravo brigou com a rosa, etc. Assim ressalta-se o problema das ameaças contidas nas músicas (pega essa menina que tem medo de careta, nana neném que a cuca vem pegar) ou mesmo o sadismo de outras (atirei o pau no gato). No fundo o texto como um todo passa uma impressão de que tudo está errado, de que o Brasil e o brasileiro não sabem como tratar as crianças, de que com músicas desse tipo não há o que esperar de nós.
Acho bastante complicado pensar dessa forma, por inúmeros motivos, mas um dos que me motiva a escrever sobre isso é meramente histórico. Vivemos num tempo em que se confundem muitas coisas. Os direitos da criança, do adolescente, por exemplo, são muitas vezes, motivo para que pensemos que eles devem ser privados de certas coisas. Há pais, que não querem que seus filhos estudem com livros que demonstrem a desigualdade social, bem como há aqueles que acham que a educação não deve passar pela chatice da bronca, da imposição de limites, etc. (criando um monte de monstrinhos). No caso das cantigas populares, temos que ter pelo menos uma ideia em mente, trata-se de (acho que é uma tautologia) cantigas populares (aqui no sentido de folclóricas, que "sempre" estiveram por aí), que foram produzidas há muito tempo, quando a criança talvez nem fosse nomeada como tal. Não é ideal olhá-las com os olhos de nossa época, apenas. O que fazer então com essas cantigas? Devemos esquecê-las e cantar, coisas como o xuxucão para as criancinhas. Não acho que seja por aí, mesmo porque isso, em certa medida, é também esquecer um passado, que é nosso e por isso não deve ser esquecido, é também negar uma cultura, que também é nossa...
Mas ainda é possível ver na mensagem uma comparação nítida entre culturas muito diversas. O texto inicia fazendo menção às cantigas norteamericanas, nas quais (segundo o texto) não há nenhum tipo de ameaça, etc. etc. Será que é por isso que eles não querem parar de poluir o planeta? ou teimam em invadir terras com uma fúria terrorista contra um terrorismo por eles próprios criado?
Ainda a título de comparação, o que dizer das histórias infantis que vêm de fora? Elas também não têm a sua dose de sadismo contra os animais? (vejam a figura do lobo...). Todavia devo abrir a guarda e reconhecer que uma mensagem como essa é um belo material para revelar o quanto nós brasileiros valorizamos o que é dos outros e desvalorizamos o que aqui temos. Sem se dar conta que talvez as coisas de cá e de lá são da mesma natureza. E só.